Julieta Ferrão (1899-1974)
Julieta Ferrão (1899-1974) foi conservadora, artista e a primeira mulher a dirigir um museu em Portugal.
Nasceu em Lisboa, no dia 4 de Dezembro de 1899, e era sobrinha por afinidade e afilhada de Artur Ernesto de Santa Cruz Magalhães, fundador e primeiro diretor do Museu Bordalo Pinheiro, onde começou a trabalhar como secretária a partir dos 17 anos.
A primeira das sete artes que desenvolveu, desde tenra idade, foi a música, tendo aulas de violino. O seu virtuosismo nas cordas seria muito apreciado pelos amigos e família. Também estudou escultura com Raúl Xavier (1894-1964), autor do busto de Rafael Bordalo Pinheiro presente no jardim do Campo Grande.
Frequentou a Escola de Belas-Artes de Lisboa. Chegou mesmo a fazer exposições com as suas pinturas e esculturas. Foi sócia da Sociedade Nacional de Belas-Artes, assim como de outras instituições feministas e humanitárias, deixando bem vincada a sua ação em prol dos mais desfavorecidos e descriminados.
No Museu Bordalo Pinheiro, o tio encarregou-a de várias funções, logo após a sua inauguração, em 1916. Ao longo dos anos, escreveu para vários jornais de grande expressão nacional e internacional, como comprova a imensidão de cartas de editores de periódicos portugueses, espanhóis e brasileiros.
Em 1923, numa palestra para o Grupo dos Amigos-Defensores do Museu Rafael Bordalo Pinheiro, admitiu ser a primeira e última que dava na sua vida. Julieta ocupou o cargo de secretária neste Grupo, desde a sua fundação, em 1920. No principio da carreira profissional ainda se notava a sua timidez, de alguém em busca de um rumo e da aceitação dos seus pares, num meio unicamente povoado por homens. Não podemos esquecer a condição laboral e social da mulher no principio do século XX. Apesar dessa incerteza, acabaria por encontrar o seu lugar na museologia, proferindo incontáveis palestras até ao final da vida, de uma forma cativante e natural. Deu muitas conferências em vários museus e grupos culturais.
Foi no ano de 1924 que Cruz Magalhães doou o Museu à Câmara Municipal de Lisboa, deixando explícito que desejava que fosse a sua sobrinha a assumir a posição de Diretora daquela instituição. Nesse mesmo ano, o Museu fechou para obras, só abrindo portas em 1926, já com Julieta Ferrão como Diretora. Desenvolveu investigações, que publicaria para divulgação e esclarecimento da vida e obra de Rafael Bordalo, tendo publicado, em 1927, o Guia do Museu Rafael Bordalo Pinheiro.
Cruz Magalhães acabaria por morrer em 1928, com a confiança no sucesso da sobrinha e na imortalidade da colecção que nos deixou.
Apesar de já desempenhar um importante papel na museologia, ao tornar-se na primeira mulher a dirigir um museu em Portugal, frequentou o Curso de Conservadores de Museu, no Museu Nacional de Arte Antiga.
Chegou a 1ª Conservadora dos Museus Municipais de Lisboa, no ano de 1942, com gabinete no Palácio das Galveias. Em 1946 também era designada por Chefe de Secção de Bibliotecas e Arquivo Histórico.
Fez um trabalho minucioso e de extremo valor com vista à constituição de uma coleção de obras de cerâmica ímpares da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro a integrar no acervo do Museu. Se hoje a coleção do Museu contém mais de mil peças de cerâmica bordaliana, muito se deve ao seu trabalho inesgotável.
Quase se pensa que Julieta nunca parou neste frenesim de atividade artística e museológica, mas a verdade é que se reformou em 1969 para integrar, logo em 1970, a Comissão Consultiva Municipal de Toponímia. Esteve nessa Comissão até ao dia 27 de Julho de 1974, data em que nos deixou.
Texto de Francisco Teles Gama, investigador e colaborador do Museu Bordalo Pinheiro.