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Brasil de Bordalo

Mesmo depois da independência, em 1822, o Brasil e Portugal mantiveram relações muito próximas, nomeadamente ao nível cultural.

Foi no âmbito desta proximidade que Rafael Bordalo Pinheiro recebeu um convite para trabalhar no jornal humorístico O Mosquito, para substituir outro grande caricaturista, Angelo Agostini.

Bordalo passou quase quatro anos no Brasil, entre 1875 e 1879, e aqui encontrou um ambiente cultural muito dinâmico, com uma grande quantidade e qualidade de jornais e uma considerável liberdade de imprensa. Foi neste ambiente que desenvolveu uma parte importante da sua obra, experimentando novas técnicas em composições e narrativas.

No Brasil, começou por trabalhar n’O Mosquito (de setembro de 1875 a maio de 1877), tendo depois criado o Psit! (setembro a novembro de 1877) e O Besouro (abril de 1878 a março 1879).

Ao envolver-se nas questões políticas e sociais brasileiras, Bordalo acabaria por confrontar-se com problemas e reações violentas, determinantes para o seu regresso a Portugal.

Ficaram desta aventura brasileira um bom conhecimento da realidade do país, muitas amizades e um fascínio pela natureza exuberante, que se repercutiu na sua obra gráfica e cerâmica.

A implantação da República no Brasil, em 15 de novembro de 1889, foi um momento de maior aproximação, que alimentaria no artista sorte idêntica para o seu país.

O Brasil foi também o destino da sua maior obra, a “Jarra Beethoven” (1896-1898), que, não tendo conseguido vender em Portugal, acabou por levar para o país irmão, onde hoje pode ser vista no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.

Por todas estas questões, Rafael Bordalo Pinheiro representa bem a ligação de amizade e proximidade cultural entre Portugal e o Brasil no final do século XIX, que o Museu Bordalo Pinheiro pretende celebrar no momento em que o Brasil comemora os 200 anos da sua independência.

Bordalo ao centro, de chapéu alto, fotografado no Rio de Janeiro, em 1876, com o grupo com que vivia, da “República das Laranjeiras”.
Rafael Bordalo Pinheiro com a mulher Elvira e a filha Helena retratado por António Lopes Cardoso, da Bahia, premiado fotógrafo da Casa Imperial, no período da primeira estadia do artista no Brasil (1875-1879).
O seu outro filho, Manuel Gustavo, que já era nascido, ficou em Lisboa com os avós.

ESTADIA NO BRASIL (1875-79) – Os jornais

Na sua primeira colaboração no jornal O Mosquito, Bordalo descreve a sua viagem de barco para o Brasil e a expectativa em relação ao que ia encontrar. Aqui o vemos atemorizado pelas leituras que definiam aquele país como uma terra inóspita, com animais selvagens e mulheres horrendas e, depois, o espanto de encontrar uma terra muito civilizada e desenvolvida, onde se sentiu imediatamente em casa. Através de uma banda desenhada, apresenta apontamentos de amabilidade, que destacam elegância feminina, bailes, concertos e corridas de cavalos.
Este desenho humorístico é revelador da discriminação racial e preconceitos formulados a partir da literatura e dos conhecimentos considerados “científicos” que circulavam no século XIX.  
Enquanto personagem principal da crónica, Bordalo autocaricatura-se dezassete vezes, dando-se a conhecer por inteiro ao público e prometendo voltar na semana seguinte. Associada à qualidade gráfica, é de salientar o esforço de adaptação do texto em português, procurando imitar o sotaque brasileiro. O artista viria a ser o proprietário deste jornal e lançaria dois outros, O Psitt!! e O Besouro, durante os quase quatro anos de estadia no Brasil. Rafael Bordalo tinha 29 anos.

O Mosquito, de 1 de janeiro de 1886.

À esquerda, observamos o primeiro cabeçalho d´O Mosquito desenhado por Rafael Bordalo Pinheiro. Aqui, o artista mostra o personagem criado por Angelo Agostini para representar o jornal, montado num mosquito, com vestes de indígena, empunhando um lápis como se fosse uma flecha com que dispara contra a “atualidade”, sob a forma de uma bela mulher. Bordalo mostra também o seu fascínio pelo ambiente brasileiro, povoando a imagem de uma vegetação luxuriante e de animais exóticos. No meio da folhagem podemos perceber uma mulher, uma baiana e um indígena a ler o jornal, mostrando assim que se dirigia a todos.

Pode consultar O Mosquito aqui: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/omosquito/omosquito.htm

Psit, de 15 de setembro de 1877


No primeiro número do jornal Psit, Bordalo apresenta as personagens “Psit” e “Arola”, que representariam o próprio jornal, na abrangência do seu programa. Ele mesmo aproxima-as a D. Quixote e Sancho Pança e define-as como um equilíbrio entre a cabeça e o estômago; a fantasia e o senso comum ou o discurso e o aparte. Mais tarde irá usar o termo Arola para definir “o português de torna-viagem”, que regressa a Portugal rico, mas rude e sem educação.

Pode consultar O Psit aqui: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Psit/Psit.htm

O Besouro, 6 de abril de 1878.


O Besouro foi o terceiro jornal que Bordalo publicou no Brasil, de 1878 a 1879. No primeiro número, apresenta-se fazendo referência aos dois jornais anteriores: O Mosquito (um casulo) e O Psiit (uma borboleta que saiu desse casulo e morreu).

Bordalo autorrepresenta-se montado num besouro, que sobrevoa a Baía de Guanabara, rodeado de outros insetos, que são identificados como os repórteres do jornal.

Pode consultar O Besouro aqui: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/obesouro/obesouro.htm

ESTADIA NO BRASIL (1875-79) – As Críticas

O Besouro, de 20 de abril de 1878.

Em “A política A Vol d’0iseau”, publicada n’O Besouro a 20 de abril de 1878, vemos um Bordalo montado num besouro, que sobrevoa o Largo do Paço (chamado XV de Novembro, depois da instauração da República). Esta curiosa “fantasia aérea” do espaço urbano mostra o Paço Imperial, sede do poder, e uma das torres da Igreja do Carmo. Estes edifícios estão ligados por um fio, revelando a proximidade dos dois poderes, do qual pende um boneco (“poder pessoal”), que o jornalista republicano Lopes Trovão tenta destruir, lembrando a tradição da Malhação (ou Queima) do Judas.

Esta vista serve também como documento histórico, mostrando esta zona da cidade antes de uma série de alterações, como a destruição do edifício dos arcos, levada a cabo para a abertura da Avenida 1º de Março, a supressão dos carris para os “americanos” de transporte de passageiros, ou a alteração da configuração da torre da igreja.

O Mosquito, 18 de dezembro de 1875.

O “Manuel 30 Botões” é uma figura criada por Rafael Bordalo nas páginas de O Mosquito como representação do português emigrante, visto de forma pejorativa.

Os tamancos nos pés mostravam a sua origem humilde e o excesso de botões com que ornamentava o casaco, o desejo de enriquecer.

Rafael Bordalo Pinheiro desenhou também os tamancos como arma de arremesso em polémicas e conflitos onde se viu envolvido, assumindo que, também ele, era um emigrante.

A frase que dá título a este desenho, “Entre a Cruz e a Caldeirinha”, refere-se aos moribundos que, no seu leito de morte, tinham na cabeceira um crucifixo e aos pés uma caldeirinha de água benta, para abençoar os seus últimos momentos, demonstrando, portanto, uma situação desesperada. Neste desenho, é o “Manuel 30 Botões” que está suspenso sobre o Atlântico, sendo puxado para o Brasil pelo barão do Lavradio (presidente da Junta Central de Higiene Pública brasileira) e para Portugal pelo Rei D. Luís, em situação desesperada: ter de ficar num Portugal empobrecido ou emigrar e tentar a sua sorte num país onde a febre amarela era o perigo iminente.

O Mosquito, 8 de abril de 1876.
O Mosquito, 18 de setembro de 1875.

Neste desenho Bordalo retrata o Papa Pio IX a dar umas palmatoadas em D. Pedro II. A situação refere-se à Questão Religiosa, quando o Papa quis sobrepor o seu poder ao do Estado.

D. Pedro II tomou inicialmente uma posição forte, que levou à prisão dos bispos de Pará e Olinda, para depois acabar por libertá-los e fazer as pazes com o Papa, numa atitude que Bordalo considerou humilhante para o imperador.

“O beijo de Judas” refere-se à questão religiosa no Brasil, onde vemos o Papa a dar um beijo ao Brasil (representado por um indígena), que Bordalo diz ser o “beijo traiçoeiro de Judas”. O desenho mostra também um imaginário bordaliano sobre o Brasil, com o indígena a representar o seu povo e a vegetação luxuriante a representar a geografia.

O Mosquito, 15 de abril de 1876.
O Besouro, 20 de julho de 1878.

Neste desenho Bordalo denuncia a grave situação de seca e fome vivida no Ceará.

Nele reproduz duas fotografias de crianças subnutridas, que são apresentadas por uma mão, esquelética, mas com uma elegante camisa e casaco, simbolizando a morte.

A apresentação de fotografias desenhadas reforça a veracidade dos factos e torna a denúncia mais assertiva, sublinhada pela introdução de vários destinatários – “Para S. Majestade, o Sr. Governo e os senhores fornecedores verem” –, num momento também marcado pelo problema da falsificação das farinhas alimentares que eram enviadas para aquela nação.

No Lazareto. Rafael Bordalo Pinheiro, 1881.

Quando Bordalo regressou do Brasil, em 1879, grassava uma epidemia de febre amarela naquele país, pelo que o artista se viu forçado a uma quarentena no Lazareto de Lisboa. Aqui aproveitou para escrever No Lazareto, uma novela gráfica em três capítulos. No primeiro, relata as suas impressões gerais do Brasil, os ambientes que frequentou e algumas aventuras que viveu, nomeadamente os dois atentados que determinariam o seu regresso; no segundo, conta a viagem para Lisboa, as saudades do Brasil e a obrigação de fazer quarentena no Lazareto por causa da febre amarela; no terceiro, denuncia as más condições de acomodação no Lazareto e fala das saudades que tinha de Lisboa, ali mesmo à sua frente. O livro termina com um divertido requerimento ao rei, solicitando uma comenda pelo regresso ao seu país, ainda que não tenha enriquecido.

O livro pode se consultado no site do Museu, aqui: https://museubordalopinheiro.pt/item/no-lazareto-de-lisboa/

O Mosquito, 16 de setembro de 1876.

A mãe de Rafael morreu enquanto ele estava no Brasil, o que lhe inspirou este desenho, que publicou no jornal O Mosquito e dedicou ao seu pai.

Nele vemos um casal com uma filha, numa referência à família que se juntara a ele no Brasil, faltando aqui o filho Manuel Gustavo, que viria a ser o seu seguidor e ficara em Portugal.

A cena passa-se numa varanda, com o Pão de Açúcar e a Baía de Guanabara em pano fundo.

O homem, com um ar nostálgico, relembra cenas da maternidade, numa referência à sua mãe.

Este é um dos poucos desenhos em que Rafael Bordalo Pinheiro deixa transparecer um sentimento de saudade, que muito raramente encontramos na sua obra ou na sua vida.

O BRASIL DESDE PORTUGAL

Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro sobre a Picaresca Viagem do Imperador de Rasilb pela Europa é o relato fantasioso que Bordalo faz, em forma de narrativa gráfica, da visita que o imperador D. Pedro II do Brasil (de que “Rasilb” é o anagrama) fez à Europa, em 1871. O termo picaresco remete para as novelas satíricas que se desenvolveram em oposição aos romances de cavalaria, onde a sociedade era criticada através da história de um personagem popular e sem feitos heroicos. Bordalo brinca assim com D. Pedro, que quis viajar anónimo (e aqui ganha o nome de “Pedro da Pampulha”), representando-o a visitar teatros, cortes, academias, mas também as mais pobres estalagens em diversos países. O imperador é representado nas mais variadas situações: a carregar a sua bagagem, montado numa bicicleta, em trens de aluguer ou até de chinelos.

Esta obra é geralmente considerada a primeira banda desenhada ou história aos quadrinhos portuguesa e pode ser consultada integralmente aqui.

Álbum das Glórias N.º 5, Mai. 1880.

Em 1880, Bordalo começa a publicar uma coleção de folhas volantes com caricaturas e biografias fictícias das principais personalidades da vida política, cultural e social da época, a que chamou o Álbum das Glórias. Nesta listagem estão incluídas quatro personalidades brasileiras, mostrando, uma vez mais, a aproximação entre os dois países: “Sua Majestade o imperador do Brasil” (D. Pedro), os políticos e jornalistas republicanos, “Joaquim Saldanha Marinho” (Dezembro de 1881) e “Lopes Trovão” (Julho 1882) e o poeta “Luís Guimarães” (Maio de 1882). Pode consultar o Álbum das Glórias aqui: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/AlbumDasGlorias/AlbumDasGlorias.htm

O António Maria, 22 de março de 1883.

O Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro foi criado em 1837. Tinham passado 15 anos sobre a independência do Brasil e um grupo de emigrantes portugueses quis criar um local onde aprofundar os conhecimentos e a cultura portuguesa. Com o crescimento da casa, e no âmbito da comemoração do 3º centenário de Luís de Camões, é decidido construir um novo edifício para a biblioteca, que seria inaugurada em 1887.

Bordalo regozija-se com o projeto do arquiteto Rafael de Castro, “uma construção sympatica e relativamente grandiosa” e anuncia-o, ainda em 1883, quatro anos antes de terminado, nas páginas do seu jornal. Hoje, esta biblioteca é considerada uma das mais bonitas do mundo e o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro mantém uma forte atividade de desenvolvimento da cultura portuguesa no Brasil.

Aguarela, Carnaval 1897.

Por ocasião do Carnaval de 1897, Bordalo traça para a Mala da Europa: Revista Quinzenal, periódico português com ampla circulação no Brasil, um desenho humorístico dedicado ao Carnaval carioca. Numa cena que se passa no cume do Pão de Açúcar, ladeado pela Baía de Guanabara, uma garrafa de champagne (que representa a revista) é aberta e dela saem figuras de carnavais italianos e franceses famosos a oferecer uma palma ao Carnaval Carioca, reconhecendo a sua importância. No meio de grande animação e folia, envolvida por uma explosão de serpentinas e confetti, podemos ver as sociedades carnavalescas Fenianos, Democráticos e Tenentes do Diabo, com música, dança e trajes coloridos e elegantes. Completam o desenho um conjunto de sátiras à vida política e social do Brasil. Um muro com um painel de azulejos mostra o violento e popular Entrudo, herdado da tradição portuguesa, de que o Carnaval carioca se separa. Esta extasiante celebração do Carnaval carioca deixa graficamente escrita a história desta festa, antecessora do Carnaval como o conhecemos hoje.

A REPÚBLICA NO BRASIL

Pontos nos iis, de 21 de novembro de 1889
(desenho de Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro).

A República foi proclamada no Brasil a 15 de novembro de 1889.

Passados apenas seis dias, no dia 21 desse mês, o jornal Pontos nos ii publicava um desenho, assinado por Manuel Gustavo (filho e colaborador de Rafael, que nessa altura estava em Paris a preparar a participação portuguesa na Exposição Universal de Paris), congratulando-se com a mudança de regime.

O desenho intitulava-se “Como se proclama uma República” e mostrava que fora muito simples a troca de poder entre D. Pedro II e o Marechal Deodoro da Fonseca, chefe do novo Governo provisório, dando a entender que o mesmo poderia acontecer em Portugal.

Pontos nos ii, 5 de dezembro de 1889.

“O Novo Brazil” é o título do desenho com que Bordalo saúda a República brasileira, na primeira página do jornal Pontos nos ii, de 5 de dezembro de 1889.

A página apresenta retratos do Marechal Deodoro da Fonseca (chefe do governo provisório) e dos novos ministros Quintino Bocayuva e Benjamin Constans.

Pontos nos ii, 26 de dezembro de 1889.

A instauração da República no Brasil aconteceu cerca de um mês depois da morte do rei português D. Luís, sucedendo-lhe o seu filho D. Carlos, que foi aclamado a 28 de dezembro.

Bordalo publica este desenho, que intitula de “Antes da acclamação” , onde representa os preparativos para a cerimónia, com o novo rei a pedir a José Luciano de Castro que prenda bem a coroa para que “O vento que sopra sobre o Atlântico” não a derrube.

Pontos nos ii, 26 de dezembro de 1889.

Neste desenho, Bordalo critica a apatia do povo português, personificado no Zé Povinho (que sonha ser funcionário público ou emigrar para o Brasil), enquanto o John Bull (figura que representa a Inglaterra colonialista) se alimenta das colónias africanas portuguesas.

Pontos nos ii, 15 de novembro de 1890.

No primeiro aniversário da República brasileira, Bordalo publica uma página em que coloca frente a frente um Zé Povinho vestido com roupas que lembram o Antigo Regime e um indígena brasileiro em tronco nu.

O indígena tem consigo as indústrias, comércio e artes, e rodeia-se com cornucópias que indicam prosperidade; por seu lado, o Zé Povinho está agarrado por um John Bull vestido de polícia, que lhe indica qual deverá ser o seu modus vivendi. O desenho tem o título “Comparando …” e, como legenda, “Nu – e todavia mais rico e mais feliz do que tu, que estás vestido…”. É também de notar a utilização de um indígena enquanto representante do povo brasileiro, nesta comparação com o Zé Povinho português.

Menu. 15 de novembro de 1890.

Menu comemorativo do primeiro aniversário da “República dos Estados Unidos do Brasil”. Rafael Bordalo apresenta-nos uma iconografia simbólica, com uma jovem República, que empunhando um ramo de oliveira e da paz, conduz pela mão um indígena brasileiro.

Este, sobre a roda da fortuna e das cornucópias “Industrias”, “Artes” e “Commercio”, segura a espada e a balança da justiça.

Na base da composição, é representada uma vista da baía do Rio de Janeiro, cidade que o artista tinha deixado há onze anos. As referências à comemoração encontram-se, apenas, nos nomes das sobremesas.

Pontos nos ii. 15 de novembro de 1890.

No primeiro aniversário da República, este desenho homenageia “Os homens que levantaram o povo nosso irmão do abatimento vergonhoso e da criminosa indifferença a que a monarchia o votara”.

O António Maria (2ª série), 26 de novembro de 1891.

Bordalo era um observador atento e nada ingénuo e, logo na sequência do primeiro aniversário da República, publica este desenho, que intitula “Política de Fim de Século – Substituição de cabeças”, apenas três dias depois de Floriano Peixoto ter substituído Deodoro da Fonseca na presidência. No desenho vemos meia roda da fortuna, que começa com o imperador D. Pedro, cuja cabeça é substituída pela de Deodoro, depois pela de Floriano, para terminar com um saco de libras, colocado pela figura da finança, alertando, na legenda, que “Metade da roda não se vê”. No eixo da roda apresenta-se um olho maçónico

A CERÂMICA

Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, 1890.

Rafael Bordalo Pinheiro foi muito influenciado pelo que viveu nos três anos no Brasil e algumas das suas peças de cerâmica refletem essa influência, como esta caixa (ver imagem em cima), decorada com um saguim, espécie animal com que convivera no Rio de Janeiro.

Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, 1896.

Nesta garrafa (ver imagem do lado direito), Bordalo representa O Arola, figura caricatura do imigrante português enriquecido no Brasil, mas que nunca perdeu o ar boçal. O homem é representado com chapéu alto, casaca comprida, laço e correntes de ouro. Estes atributos ironizam a sua importância e riqueza, já que é calçado com chinelos, carregando pela mão as botas, o guarda-chuva e o porta-moedas. A figura aproxima-se da do Zé Povinho com barba à passa-piolho.

A JARRA BEETHOVEN

A “Jarra Beethoven” é uma emblemática obra de cerâmica de Bordalo Pinheiro. Foi modelada como resposta a uma encomenda do seu amigo e melómano José Relvas, para a Casa dos Patudos, em Santarém. A jarra mede mais de dois metros e é profusamente decorada com referências ao compositor e alegorias à sua glória, à própria música e ao prazer de a ouvir. Devido às suas grandes dimensões, a jarra não coube na sala que lhe foi originalmente destinada, e acabou recusada, tendo Bordalo feito uma réplica de pequenas dimensões para satisfazer a encomenda. Depois de tentar vendê-la em Portugal, sem sucesso, acabaria por levá-la para o Brasil, em 1899. Aqui também não encontrou comprador: mesmo promovido um sorteio, o número premiado ficou por vender. Bordalo ofereceu então a peça ao presidente da República brasileira, Campos Sales, tendo a peça sido destinada à sala de Música do Palácio do Catete (Palácio Presidencial no Rio de Janeiro). Seria, entretanto, depositada no Museu Nacional de Belas Artes, onde hoje pode ser admirada.

Pode ver a jarra aqui: https://artsandculture.google.com/asset/jarra-beethoven/yAFdBRHraizXuA

Menu. 20 de setembro de 1899.

À esquerda, vemos um menu do banquete de receção a Rafael Bordalo por ocasião do seu regresso do Brasil, para onde viajou com o intuito de vender a Jarra Beethoven e realizar uma exposição da Fábrica de Faianças.

O desenho representa o Zé Povinho junto à Torre de Belém, de braços abertos, recebendo o seu criador, atrás do qual se ergue o Pão de Açúcar e a sombra da Jarra, que hoje se encontra no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.