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PÉ D’ORELHA

Conversas entre Bordalo e Querubim

21 de Novembro de 2019 a 23 de Maio de 2021

Comissariado de Rita Gomes Ferrão com Pedro Bebiano Braga/MBP
Exposição realizada em colaboração com o Centro de Estudos Querubim Lapa

Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) e Querubim Lapa (1925-2016) são dois artistas de tempos diferentes. A morte de um dista vinte anos do nascimento do outro. No entanto, se Bordalo não chegou a conhecer Querubim, este certamente conheceu Bordalo através do seu vasto legado artístico. Do olhar do mais novo sobre a obra do mais velho surge a admiração e a identificação, dando início a um diálogo privado que se vai mantendo ao longo da carreira artística de Querubim Lapa, conversas de Pé de Orelha, muitas vezes tão orientadoras como um conselho ancião.

Estas conversas entre Bordalo e Querubim terão início em 1956, apenas dois anos após este último ter inaugurado o seu percurso cerâmico. Querubim pisca o olho ao mestre e não mais deixará de o fazer, pontualmente, ao longo da sua carreira. Os dois artistas estão ligados por Heranças comuns vindas da história da arte e da cerâmica, cada um deles integrando-as de forma diversa, segundo linguagens próprias do seu tempo. Querubim herda também a obra bordaliana e, sem a renegar, ao contrário da maioria dos ceramistas modernos, usa-a em inúmeras Citações, transportando-a para a modernidade. O humor é um dos traços comuns mais fortes entre os dois artistas; é, por isso, natural que as primeiras conversas sejam as Satíricas. Olhando frontalmente para Bordalo, como que em desafio, Querubim compõe canjirões com formas humanas e outras peças caricaturais a que por vezes chamava os seus “bordalos”; como explicava, eram a sua interpretação da obra de Bordalo numa linguagem plástica moderna.

Ao longo do tempo, as Afinidades entre os dois artistas vão-se adensando. Contrapondo o fabrico em série às intervenções de autor, surgem peças utilitárias com formas de animais ou híbridas, máscaras de herança clássica e representações animais e vegetais. Por vezes, parecem segredar ao ouvido um do outro, apenas revelando publicamente fragmentos destas Confidências. Tal como Bordalo, Querubim regista em imagem elementos do seu quotidiano íntimo: um par de sapatos, uma luva, indícios de histórias que ficam por contar. É na auto-representação que se confessam mutuamente, revelando um olhar irónico sobre si próprios. Esse modo de exposição pública é também uma forma de confidência. Num registo de intimidade e humor surgem conversas Eróticas. Nestas, os elementos fálicos e a representação do nu, podem aparecer associados à sátira, como faz parte da tradição caldense.

NÚCLEOS EXPOSITIVOS

Heranças
Na obra de Bordalo Pinheiro assim como na de Querubim Lapa podem reconhecer-se elementos provenientes da história da arte e da cerâmica. As culturas e tradições do passado manifestam-se de forma diversa, sofrendo reinterpretações. Os azulejos hispano-mouriscos pé-de-galo, bem como o motivo de esferas armilares, ambos quatrocentistas e com importante presença no Palácio de Sintra, serão retomados por Bordalo na Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, mais tarde servindo de base a inúmeras composições desenvolvidas por Querubim Lapa, onde geometria e simbolismo se entrecruzam. As referências vindas do Extremo Oriente, em especial da China, bem como a técnica de aresta ou a selecção de cores, presentes na série “Narciso” de Querubim, parecem encontrar eco nos escarradores “Bizantinos” de Bordalo. Sob clara influência dos painéis azulejares figurativos, revestimento das cozinhas setecentistas, Querubim desenvolve, ao longo de vários anos, um conjunto de painéis e objectos integrados em cozinhas, onde o universo bordaliano transparece na representação de animais, frutos e legumes, segundo uma abordagem naturalista. Nesta produção podem reconhecer-se fórmulas que recuperam as composições proto-surrealistas de Giuseppe Arcimboldo. Tal como o pintor italiano do século XVI, tanto Querubim como Bordalo, na sua obra gráfica, desenvolveram jogos de figuras acopladas, que através de ilusão óptica deixam entender novas figuras.

Citações
Em experimentações inauguradas em meados da década de 1960 aquando da realização de um vasto conjunto de placas cerâmicas encomendadas pelo arquitecto Francisco da Conceição Silva para o Hotel do Mar, em Sesimbra, Querubim Lapa introduz, pela primeira vez, a citação bordaliana. Numa destas placas surge um pequeno elemento escultórico, reprodução naturalista de um caranguejo, como se integrado num prato de Bordalo Pinheiro. Num percurso que decorrerá até início da década de 1980, em várias ocasiões Querubim recorrerá à citação directa de elementos bordalianos. Lagostas, santolas ou caranguejos serão acoplados a placas cerâmicas ou a suportes mais complexos, que podem também incluir fragmentos de pratos e outras peças, dando origem a objectos compósitos que integram passado e presente.

Satíricas
Em 1956, respondendo ao convite do arquitecto Francisco da Conceição Silva para a concepção de um conjunto de peças tridimensionais de cerâmica de autor, a fim de serem expostas e comercializadas na loja Rampa, em Lisboa, Querubim Lapa criará uma colecção de peças de raiz satírica. Estes jarros, canjirões, caixas ou vasos, com formas humanas serão a sua primeira homenagem deliberada à obra de Bordalo Pinheiro. Querubim opta por tecer relações directas com as peças antropomórficas de Bordalo, oferecendo-lhes uma linguagem moderna. Os traços satíricos manter-se-ão ao longo da obra de Querubim, revelando um sentido de humor absurdo, próximo da sátira mais inspirada de Bordalo Pinheiro.

Afinidades
Inúmeras afinidades se podem estabelecer entre a obra de Bordalo e Querubim. A integração da cerâmica de autor em contexto fabril é uma delas. Na Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha ou na sua oficina dentro da Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, em Lisboa, Bordalo e Querubim concebem objectos utilitários e decorativos como caixas, bases de candeeiro, pratos, travessas ou jarros, transformados em peças únicas pela intervenção artística e pelo trabalho manual. Objectos com formas de animais, representações híbridas (misto animal e humano), máscaras animalescas ou humanas, de raiz clássica, pontuam várias destas peças, tal como a representação de elementos vegetais.

Confidências
Nem todas as conversas se podem ter em público. O segredo e o que fica por dizer podem assumir-se forma de comunicação. A necessidade de representação de elementos do quotidiano fora do seu contexto, existe tanto em Bordalo como em Querubim. Uma pantufa, um sapato ou uma luva, surgem como fragmentos de histórias privadas que ficam por contar, insinuando-se na imaginação do espectador. A auto-representação assume-se também como forma de confidência, revelando um olhar irónico dos autores sobre si próprios.

Eróticas
O humor de cariz sexual, tão característico da cerâmica vernacular caldense, parece pontuar o universo satírico de Bordalo, sem no entanto o dominar. Já Querubim, ensaia uma prática em que o erotismo mais ou menos velado domina uma boa parte da sua produção. Os dois artistas encontram-se mais uma vez através do sentido de humor e sátira, parodiando elementos fálicos e representações do nu que se aproximam do cartoon e da banda desenhada.

Texto de Rita Gomes Ferrão

Inauguração
21 de Novembro de 2019, às 18h30

Datas
22 de novembro de 2019 a 23 de maio de 2021

Horário
10 às 18 horas, de 3ª a domingo

Informações/marcações
bilheteira@museubordalopinheiro.pt

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