Suite para 13 bules e uma bailarina
Ana Jacinto Nunes
7 de Junho a 15 de Setembro de 2018
É quando os dedos, feitos verbo,
se fundem no barro original
e mundos vários se enformam
que uma melodia se faz mente
e o desejo encontra o amante do coração.
Chamam-lhe o canto da criação.
Os milénios passam, os dedos repetem os gestos,
por vezes, a orquestra baixa o tom.
Já a dança, essa, ainda não terminou
e do informe surge, irreprimível,
a perna avulsa de uma bailarina.
O desenho é a matriz de tudo o que faço. Na pintura, o desenho da tinta; na gravura, o desenho e intensidade das sombras; no barro, o das formas. O desenho pode ser calmo ou vigoroso, atencioso ou rápido. O desenho emerge na mão e expressa o que, consciente e inconscientemente, a mente ali deposita, elaborando o gesto singular, as preferências da atenção, as “afinidades electivas”: isto separa o meu desenho de qualquer outro por o reconhecer tremendamente meu. A cultura e a experiência – o que se viveu, viu e aprendeu – deixam marca como uma impressão digital num copo. O que cada cérebro escolhe enfatizar tem influência na criação póstuma. É a minha sensibilidade face à cultura, a que me expus e fui exposta.
Amores, desamores, política, descobertas científicas são experimentados com Purcell, Bach ou Mahler. Por vezes, Chet Baker ou até Dave Brubeck. Também boleros e alguns tangos da minha devoção. A cobiça de um “duchaise” aos 8 anos, a morte do cão, o desconforto económico, o queixume inconsequente e as maravilhas de que beneficiamos na Europa, ter filhos nos braços, o distanciamento da mãe que se ama intensamente. Sou tudo eu e tudo vai para o meu trabalho, em movimento preciso, com tentativa de expressão concisa do meu entendimento do que a expressão muscular, corporal, emocional, sentimental, proporcionam. Seja bicho, seja deus ou seja gente.
Ana Jacinto Nunes
Biografia